quarta-feira, 25 de setembro de 2013
Sob o
ponto de vista científico, a tradição oral desperta muitas interrogações acerca
da veracidade ou não dos fatos que assumem contornos históricos. Na maioria das
vezes, mesmo diante considerável distância cronológica da veiculação inicial de
um fato, repetido inúmeras vezes na memória popular, revela surpreendentes
minudências que conduzem à certeza de que há veracidade no fato e em seus
protagonistas. De tão antigas, essas tradições orais de se contar
"causos" nos alpendres sertanejos passam a ser referenciados como
"histórias que o tempo leva". Dentre essa imensa gama de histórias
sertanejas, destaca-se a que faz jus ao ditado popular "MAIS FORTE DO QUE
O FUMO DE ABDIAS".
Após
inúmeras investidas em pesquisas de campo, encontrei o protagonista-mór desse
"causo", cujas particularidades biográficas passo a declinar. O Sr.
Abdias Castro de Morais nasceu na Várzea do Apodi, no lugar denominado de sítio
"Carrilho", no ano de 1897, filho legítimo de Brasiliano José de
Morais. Muito moço passou a ser dono de uma sortida bodega no mesmo sítio onde
nascera. Quando atingira a idade de 25 anos passou a ser acometido pela doença
ocular denominada de glaucoma, o que o levou à cegueira total, ao atingir 30
anos de idade. Como guardara na memória cada lugar onde se encontrava as
mercadorias solicitadas pelos clientes, nunca cometeu deslizes quanto ao
processo de venda de seus produtos, entregando-os incontinenti, recebendo o
devido pagamento cujas moedas e cédulas reconhecia-as só passando as mãos sobre
elas - espécie de tirocínio divino , como é o caso de muitos exímios tocadores
de sanfona que são cegos de nascença. Em Apodi tivemos célebre bodegueiro
conhecido como "Chico Cego", cujo nome civil era Francisco Rodrigues
de Lima, e que vem a ser o bisavô materno do lídimo amigo e nobre conterrâneo
Valdir Leite, que vem a ser o mesmo Brielzim, distinto filho do saudoso
fotógrafo Gabriel Leite.
O Abdias,
que compunha a tradicional família da Várzea do Apodi conhecida sendo dos
"Caieira", cujo referencial familiar não passa de uma deturpação
popular do nome CALHEIROS, sendo certo que seus componentes se assinam, ao
final, com os nomes CALHEIROS DE MORAIS. Sêo Abdias era um personagem que
marcava a geografia humana como sendo uma pessoa do tipo irascível, duro,
inflexível, onde sua palavra valia como uma sentença. Era o típico sertanejo
rude, sem "arrodeios" nas respostas, detentor de singular sinceridade
à toda prova. Após perder totalmente sua visão, passou a ser conhecido como
"Abdias cego".
A sua
bodega era o ponto principal onde os moradores das vizinhanças eram atualizados
acerca dos acontecimentos e notícias que mereciam maior destaque nas famosas
conversas de pé-de-balcão. Como toda bodega que se preza, nunca faltava os
famosos papudinhos, que eram os primeiros a aparecerem logo ao serem abertas as
portas da bodega, manhãzinha cedo.
Contam
que, certo dia, uma senhora adentrou a bodega de Sêo Abdias e, sob os
investigativos olhares e ouvidos dos papudinhos fez a seguinte pergunta: - Sêo
Abdias o sinhô tem fumo de rolo ? - Tenho sim! - respondeu o desconfiado
Abdias. - Apois o sinhô corte aí um pedaço de dois tostões. Sêo Abdias
dirigiu-se até uma mesinha pequena, onde o rolo de fumo se encontrava, e cortou
o pedaço solicitado pela cliente, voltando logo em seguida para entregá-lo e
receber os devidos dois tostões. Ao receber, a de imediato a freguesa levou-o
até o nariz e cheirou-o intensamente, o que provocou um efeito repentino que a
levou a um espirro seguido de um ruidoso peido. Desconfiada com a inusitada e
imprevisível ocorrência, dirigiu-se ao Sêo Abias e tascou a seguinte pergunta:
- Ô Sêo Abdias, será que o sinhô não tem por aí um fumo mais forte que esse ? O
velho Abdias, que a essa altura já se deixara dominar por tamanha raiva,
disparou: - Tenho não ! Eu só tenho fumo pra espirrar e peidar. Prá espirrar e
cagar tenho não!. respondeu grosseiramente o velho e afamado bodegueiro. Muito
encabulada, só restou mesmo à incauta freguesa sair de mansinho, após efetuar o
pagamento do pedaço de fumo solicitado.
A partir
desse episódio, toda vez que alguém enfrentava e resolvia um problema de
difícil resolução, era logo parabenizado com a afirmativa: Fulano, você é mais
forte do que o fumo do velho Abdias !.
Artigo
enviado por Marcos Pinto - historiador apodiense
(24.09.2013).
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